25 de jul. de 2011

Em busca de identidade

Apesar da quase universalização da etapa pré-escolar de ensino, países latino-americanos patinam na oferta de educação infantil com programas voltados ao assistencialismo e à administração da pobreza na primeira infância
 
Nas últimas décadas, a educação infantil foi alçada à posição de "estrela" das etapas de ensino. Os argumentos científicos, que apontam para os efeitos positivos da ação educacional nos primeiros anos de vida, o entendimento de que há retorno social para os investimentos na infância, e mudanças sociais, como a entrada das mulheres no mercado de trabalho, levaram governos ao redor do mundo a reconhecer e priorizar essa etapa de ensino nas políticas públicas. Na América Latina, esse movimento ganhou mais força na última década, impulsionado por acordos internacionais, como o Marco de Ação Regional para as Américas, que tem, entre seus objetivos, assegurar que até 2015 todas as crianças tenham acesso ao ensino primário de boa qualidade.

Em tão pouco tempo, e com metas tão ambiciosas, algumas conquistas são importantes, como a quase universalização da etapa pré-escolar, que atende crianças entre 4 e 5 anos. Mas, para a faixa etária entre 0 e 3 anos, os desafios ainda são imensos: superar a incapacidade do Estado de atender as populações rurais e menos favorecidas, e entender efetivamente essa fase da vida como merecedora de atenção educacional. Para a maioria dessas crianças latino-americanas, educação não é sinônimo de escola. Por mais que a legislação tenha avançado em assegurar os direitos da infância, na prática as ações ainda são assistencialistas, voltadas para o "cuidado" sem uma lógica pedagógica e, muitas vezes, baseadas na estrutura familiar.

A verdade é que os programas não formais vinculados à assistência social ainda prevalecem na região. "Parece-me que as crianças não estão no 'coração' da política educativa", acredita Gustavo Iaies, diretor da Fundação CEPP (Centro de Estudos em Políticas Públicas), da Argentina, e vice-ministro da Educação do país, de 2000 a 2001. Isso quando as ações governamentais conseguem alcançar as crianças - a estimativa é de que a cobertura da região não passe dos 30% na faixa etária entre 0 e 3 anos. Além disso, os dados oficiais são escassos ou heterogêneos, o que pode dificultar ainda mais a formatação de políticas públicas de caráter educacional para a primeira infância.

Por outro lado, a tendência de adotar a obrigatoriedade a partir dos 5 anos impulsiona as taxas de cobertura nessa faixa etária, que fica acima dos 85% no continente. Poderia ser um ponto de comemoração, não fosse a dura constatação da incapacidade do Estado em atender à demanda quando não há obrigatoriedade, especialmente para populações mais pobres e residentes em áreas rurais. O período entre os 4 e 5 anos também provoca questões específicas: considerado como pré-escolar na maioria dos paí­ses, configura-se como uma oferta "preparatória" para a alfabetização, desconsiderando o direito da criança ao pleno desenvolvimento de suas capacidades motoras, psicossociais e de interação. A oferta pública para a faixa etária também é fragmentada. A metade da cobertura escolar dos 4 aos 5 anos na América Latina é realizada em escolas privadas. A partir dos 5 anos, a oferta pública se homogeneíza, e os currículos se definem. Muitas vezes, só então a atenção às crianças é considerada sob o aspecto educacional.

Somam-se a esse cenário as disparidades entre os caminhos adotados pelos países latino-americanos no que diz respeito à etapa educacional. No continente, a crise de identidade na educação infantil começa pela própria nomenclatura, que varia entre "berçário", "educação inicial" ou "educação infantil". Outro exemplo do cenário diversificado: enquanto o Brasil garante o direito à educação infantil desde o nascimento, a Colômbia se apoia em ações pautadas pelo assistencialismo e apoio familiar - caso das "madres comunitarias", mães de família, geralmente de baixa escolaridade, que abrigam crianças em suas casas.

Essas tendências latino-americanas e as particularidades da educação infantil não são encontradas nas outras etapas de ensino no continente. Ou seja, a falta de identidade da oferta escolar nos primeiros anos de vida se confunde com a dificuldade de colocar em prática a concepção de que as crianças são sujeitos de direito desde o nascimento. E padrões de qualidade ainda estão longe de ser alcançados. Segundo a Unesco, os poucos indicadores existentes na região estão mais preocupados com insumos e processos do que com o pleno desenvolvimento infantil.